doce...

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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Lagarta

As paredes brancas e desnudas do ambiente pouco caloroso aprisionam Marcela, que abre os olhos lentamente, após algumas piscadelas o borrão disforme vai tomando forma, aos poucos a imagem se converte na figura amada de sua mãe, que sorri e acaricia suavemente o rosto da moça.
 - Como se sente minha querida?
 - Estou com muita dor de cabeça, o que aconteceu?
 - Você sofreu um acidente, não se levante querida, o pior já passou, logo seu pai chegará com o Dr. Marcos e então poderemos conversar melhor, agora fique paradinha e descanse abelhinha.
Marcela sorri diante da lembrança, fazia alguns anos que sua mãe não mencionava seu apelido de infância, e pensando nisso adormeceu mais uma vez.
Passaram-se algumas horas desde o primeiro sinal de consciência de Marcela, o médico e amigo da família fez sua ronda matinal, conversou com seus pais e falou que voltaria no período da tarde, após os exames ficarem prontos, Marcela dormiu todo o tempo, os sedativos eram fortes, somente no terceiro dia de internação é que a moça recobrou seu estado normal, fez muitas perguntas, descobriu finalmente que ao se acidentar e bater com a cabeça, entre exames e ressonâncias foi encontrado um tumor benigno em seu cérebro um tipo de glioma conhecido como astrocitoma, fariam uma cirurgia para sua retirada. As borboletas que Marcela viu, foram alucinações provocadas pelo tumor, assim como as dores de cabeça que ela vinha sentido recentemente.
 - Então é isso? Eu tenho um câncer no cérebro e em vez de aproveitar minhas férias antes de iniciar a faculdade terei que convalescer em um hospital? E meus cabelos, vão raspar?
Entre lágrimas e soluços Marcela se desespera, sua mãe tenta se manter firme mas está tão preocupada quanto a filha, o único membro da família que continua aparentemente calmo é o pai de Marcela, apesar de não ser oncologista, sua experiência na área de ortopedia como médico de esportistas o faz entender melhor todo o processo que sua filha vai passar.
Passados alguns dias Marcela é operada, tudo sai como é esperado, o tumor é retirado, as consultas após a alta hospitalar são prontamente agendadas, a Faculdade é adiada para o próximo semestre, o que aborrece um pouco Marcela. 
- Tem certeza que pode esperar a sua consulta sozinha?
- Claro que sim papai, sei que você está atrasado para o trabalho, pode ir, mais tarde pego um táxi
Após beijar a filha o senhor de suave cabelos prateados se afasta, ao olhar ao redor ele pensa o quanto foi abençoado com a recuperação da filha, a sala ao lado está repleta de jovens em fase de tratamento da doença.
Marcela lê uma revista antiga de celebridades, as salas de esperam deveriam ter uma biblioteca pensa a moça, apesar de pálida, um pouco mais magra e com os cabelos bem curtos, Marcela conserva o olhar tranquilo e sorridente, algo que sempre chamou atenção em sua aparência.
Do outro lado da sala alguém a observa, Marcela logo se da conta que um jovem magro e alto está sutilmente olhando para ela, Marcela sorri, abaixa os olhos e continua folheando a revista.
Alguém se senta ao seu lado, a moça percebe que é o mesmo jovem que a observava alguns segundos atrás.
- Acho que deveria ter uma biblioteca em salas de espera
- Eu pensava exatamente isso enquanto olhava essa revista, diz Marcela sorrindo surpresa
- Eu me chamo Paulo
- Marcela
- Você esta acompanhando ou se consultando
- Acompanhando, minha irmã está em tratamento, e você?
- Consulta
- O que acha?
- Do tratamento?
-Não, da revista, sorri despreocupado
- Bem, é antiga, mas é o que tem no momento
E assim inicia uma conversa amigável e leve, coisa que Marcela sentia falta nos últimos meses.
- Foi um prazer te conhecer Marcela
- Igualmente Paulo, ao apertarem as mãos Marcela percebe um papel pequeno, com um número de telefone, no papel além do número está escrito " se você se sentir entediada, podemos falar sobre os dramas das celebridades"
Marcela sorri ao ver o bilhete, o rapaz sorri de volta  se vira e vai ao encontro de uma jovem um pouco mais moça do que Marcela.
Ao voltar para casa Marcela pensa em tudo o que aconteceu nos últimos meses, o tumor, a espera para ir para faculdade, o desinteresse por festas e até mesmo por Lucas, seu colega de escola e agora Paulo, um rapaz que conheceu em um consultório médico e que despertou sua curiosidade, de certa forma a abordagem do rapaz a fez se sentir viva e feminina, coisa que ela não pensava muito ultimamente, ela que se sentia uma lagarta em metamorfose, começou a perceber que tinha muito o que viver e agradecer, percebeu que era ainda bonita apesar dos cabelos curtos, coisa que ela não gostava, e da sua magreza e palidez.
Marcela sorri, e um pouco da jovem feliz e despreocupada aparece em seu olhar outra vez... 



 

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